terça-feira, 31 de maio de 2011

Zen

Quando era pequeno as festas de anos eram, no meu entender simples de criança, uma oportunidade de receber presentes.

Olhando para trás, hoje, especialmente depois de ter passado já 3 meses (não é tempo nenhum, bem sei) nesta ilha tão pequenina e remota, onde nem a televisão liguei ainda uma vez que fosse, dou conta que como "ocidentais" (que a geografia é relativa), o materialismo consumista nos é incutido dia após dia, desde pequeninos.

No meu tempo (hoje posso usar expressões destas...) eram os Legos, os Playmobil, os carrinhos, os soldadinhos e berlindes, depois o Zx Spectrum e os jogos de cassete... A bicicleta, os ténis de marca e tantas outras bugigangas que nos enchem os cestos de brinquedos e recordações da nossa infância, cheios de coisas que mais tarde se transformam em caixotes esquecidos empilhados na arrecadação e garagem.

Hoje, crescido e já um "homenzinho" (nas palavras do meu irmão) não me lembro dos Legos todos que tive, dos bonecos que tive (excepto alguns que eram companheiros inseparáveis), dos jogos todos, dos ténis, dos carrinhos, etc.

Lembro-me sim, dos passeios de bicicleta com o meu irmão e amigos, na barragem, das pescarias ao lado do meu avô e do meu pai, das esfoladelas nos joelhos e arranhões tratados com beijinhos carinhosos pela minha mãe, de acordar cedo para amassar pão com a minha avó. Lembro-me das corridas doidas, dos trambolhões, das mil e uma coisa que inventamos para fazer asneiras com os meus primos, dos jogos de escondidas e apanhada com os companheiros de recreio...
Lembro-me das árvores que trepei.
Lembro-me dos desenhos que fazia na escola.
Lembro-me do sorriso "Cândido" da minha professora primária, dos seus cabelos grisalhos e do olhar ríspido que conseguia fazer quando não nos portávamos bem. Lembro-me das únicas reguadas (merecidas) que foram dadas em 4 anos de escola primária naquela turma - a mim, claro!
Lembro das birras, das fitas, das palmadas, para mim completamente injustas na altura e que, lado a lado com tantos outros exemplos bons, tiveram o condão de, bem ou mal (julgarão vocês), me tornarem na pessoa que sou hoje.

Lembro-me das guerras de almofadas com o meu irmão. Lembro-me de partir a cabeça e da lasca que deixei na ombreira de mármore da porta do meu avô.
Lembro-me das brigas e implicações com o meu irmão. Lembro-me de partir pratos e copos.

Lembro-me das viagens de carro que me fizeram ganhar o gosto irrequieto por conhecer mais para além da minha porta e das músicas que ouvia no caminho e que me despertaram este amor que tenho pela música.


Lembro-me dos livros que me transportavam em sonhos acordados, para mundos mágicos e reais ao mesmo tempo. Ainda hoje têm esse efeito em mim.


Lembro-me dos ataques de parvoíce em família. Dos risos que se metem debaixo da pele e nos fazem tremer o corpo em gargalhadas.

Lembro-me dos amigos que fiz e tenho e dos momentos enriquecedores e experiências que tive a sorte de partilharem comigo.
Dos jantares, dos picnics, da parvoeira pegada que se gera à volta de uma mesa de comida boa.

Lembro-me da música que tive a felicidade de aprender a tocar e que hoje tento partilhar.
Lembro-me dos abraços e dos beijos que dei e me deram.
Das lágrimas derramdas, das dores.
Lembro-me dos nascer do Sol e das noites quentes de lua cheia, dormidas ao relento debaixo de um céu de estrelas.

Lembro-me de sustos e trovoadas, chuvas e escaldões...
Lembro-me de subir uma montanha de mota... à luz da lua cheia e de me sentar à vista de uma lagoa de fogo a conversar. De viajar à chuva e ao vento e sentir-me ensopado e mesmo assim sorrir como se fosse a melhor viagem do mundo.

Lembro-me de histórias partilhadas em bancos de jardim sobre velhinhos pedintes em terras longínquas que um dia, sem saberem porquê receberam das mãos de uma menina o maior e mais desprendido presente que ela podia dar... tudo!

Lembro-me dos animais que foram meus companheiros de folias e que me ensinaram tanto.

E de de tantas, tantas outras coisas, situações, pessoas, acontecimentos...
Uns recentes, outros nem tanto...

Quando era pequenino, diziam-me que tinha memória de elefante... e hoje sinto-me o maior sortudo por me poder lembrar.

O que tive em menino, de presentes materiais, não tive hoje.
Com a idade, os festejos perderam a importância... os presentes, esses ganharam... mas de outra natureza.

Hoje, sem o saberem, os meus amigos deram-me o maior presente que alguém pode receber.

Deram-me o seu tempo, atenção e carinho.

Zen

2 comentários:

  1. Meu querido! que falta a minha ainda não ter lido este texto tão belo e sentido... partilho tantas das coisas que dizes... :)
    É bem verdade que as nossas recordações são muito mais das emoções partilhadas, das situações vividas que dos objectos que em tempos possuímos.
    Continua a escrever (e põe algumas fotos) por favor!
    Saudades e beijos
    "TiTi" São

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  2. D. Obrigado por partilhares.. :)
    Jose Batista
    Moscavide

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