quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

ao lado do mar


o mar corre aqui ao lado.
há dias que corro com ele. faz-me companhia também o vento.
o tempo, esse... vai e volta como lhe apetece.

darwin disse que não é o mais forte que sobrevive mas sim o que melhor se adapta. contra a minha natureza, calei esta vontade de espaço e paguei com silêncio.
adaptamo-nos, muitas vezes forçados pelas circunstâncias... a diferença está em sucumbir-lhes, ou não.
Há quem seja simplesmente desassossegado. Eu sou apenas desassossegado.

desta vez parti ansioso. carreguei o peso de outras responsabilidades.
como sempre, basta ter os olhos abertos para ver o caminho... e assim cheguei.

era noite. a escuridão e o silêncio, reinavam.

"Oh do barco!!"

alguém saiu. rugas, uma voz rouca e um jeito de quem já correu mundo ao sol e ao sal.
saco pousado, um pouco de ar fresco a cheirar a cais e poucas palavras trocadas depois, o cansaço chamou-me.

depois de uma noite agitada, o nascer do sol cumprimentou-me pela escotilha.

últimos preparos, despedidas e ala... que o mar aguarda.

são horas a ver azul, entregue a mim. entregue às conversas simples dos marinheiros/pescadores que me levam a viajar para além do horizonte, até às suas histórias.
Desta vez, visito Marrocos, o Senegal, Malta, Líbia, Madagascar, as Maurícias, as ilhas Reunião... tudo ao largo das Baleares.
Ao fim de uns dias, o corpo já se adaptou a esta dança que entontece e embala.

É lá em cima, por cima da ponte, que tudo se agita mais... mas também é onde a vista é melhor, o vento corre mais fresco e o sol bate mais forte.
É lá que mais gosto de passar as horas.

Para trás, deixo uma crise que não é minha. Ainda que por pouco tempo, é isto que me faz ser quem sou e que não me deixa esquecer que a vida é mais que o nosso cantinho.
É sorte ter casa, sofá, dinheiro, comida, carros, férias, etc.? Há quem acredite piamente nisso. Há até quem tenha medo que não seja assim.

Acordar ao som do café a ser feito, bambolear para fora da cama até lá fora onde o sol e o mar nos saudam entre um piscar de olhos ensonado e uma lufada de vento fresco.

Sorte é estar aqui!



sexta-feira, 8 de junho de 2012

No ar... (entre Malé e Londres) 12.09.2011


Acordei.
As despedidas foram há um bocado.
Entre jogos, risos, cerveja fresca e um sentimento por definir (talvez a saudade não seja tão exclusiva da alma lusa como queremos crer) passaram-se as últimas horas com estes amigos que, sem saberem, foram uma pequena família.


Houve abraços, desejos de felicidade, sucesso e promessas de reencontro. Um dia quem sabe?







O quarto, já vazio de mim, mas tão cheio de lembranças e momentos, recebeu-me. Arrumadas as últimas caixas, ao som de música, esperava-me o último descanso (pouco) antes da partida.













Levantei-me.
Durante a noite, a chuva e o vento correram fortes.


Um duche rápido despertou-me o corpo mas, os sentidos, esses ainda não estavam prontos para acordar.
Sacos e mochilas fechados. Um último olhar em redor às paredes que me acolheram e a despedida silenciosa terminou com o fechar da porta.

No cais esperavam-me os últimos abraços e à hora marcada embarquei sozinho, acenando, ainda adormecido.


Nuvens escuras carregadas dançavam com o vento forte por par. O barco fez-se ao mar, fustigado pelas ondas que o perseguiam e, balançando com as ondas, comecei a acordar lentamente.

Lembro-me das primeiras vezes que "apanhei mar"... apesar de tentar manter a calma por fora, por dentro assustava-me a agitação desordenada das vagas. Agora que nos conhecemos melhor... agora diverte-me esta proximidade familiar com a Natureza.

Em Hanimadhoo (ilha local servida por um aeroporto) esperei pelo vôo que me iria deixar mais perto (ou mais longe) da civilização, como eu antes a conhecia.
Enquanto esperava deu tempo de trocar umas momices com um sorridente bebé, sentado perto de mim. É engraçado como esta linguagem tão universal dos sorrisos consegue ultrapassar as barreiras da idade e idioma com tanta facilidade.

Nem o vento acalmou, nem as nuvens escuras dispersaram... nesse quadro cinzento de tempestade, embarquei numa relíquia da aviação que, por entre as sacudidelas e safanões, atravessou as nuvens densas e opacas e me levou de volta a Malé.


Uma corrida, uma pequena lembrança local (para poupar os ombros carregados), uma troca de mensagens "assertiva" e mais uma página que se vira para não tornar.
As horas seguintes passaram entretidas a voar em filmes e levaram-me tranquilo em direcção ao "velho continente" e a Londres.
O reencontro não foi o choque que pensei. Foi apenas um retomar de uma vida, não interrompida mas sim, contínua e agora, talvez mais coerente e lúcida.
Pelas saudades e proximidade geográfica, permiti-me a uns minutos (ao telefone) onde escutei a língua materna, na voz querida de alguns amigos. Depois deixei-me envolver pela cidade e fomos beber uma Sagres e petiscar qualquer coisa... sem caril!!
Com o Santos e a Mariana saciei a sede de falar e escutar o português. Com a Alice e o Gaio, a de tocar música!
Fui levado a passear e, sentado numa pequena esplanada de rua, saboreando um cappucino servido com um sorriso bem português, apercebi-me que o mundo (o que eu conheço) não mudou ou cresceu nos meses que dele me ausentei... ou melhor, não mudaram nem cresceram as pessoas. E apesar de estar ali tão próximo, senti-me longe.
 Pela manhã saudou-me uma paisagem solarenga pintalgada de sons de uma cidade grande... tão diferente da vista tropical da minha janela dos últimos tempos.

De sacos e mochilas às costas embrenhei-me na azáfama matinal dos outros que, quais formigas, corriam na sua labuta diária. De olhos e ouvidos bem abertos, diverti-me por saber que em breve deixaria para trás mais este tumulto de gente.
No aeroporto troquei um sorriso pelo excesso de bagagem com uma simpática alemã (loira a preceito) que, com esta surpresa, me relembrou que há pessoas e há gente...
Ainda houve tempo para me cruzar com mais um português a trabalhar no balcão da bagagem fora de formato (podemos ser pequenos em geografia mas, ainda estamos por todo o lado) e assim, divertido pelos episódios da manhã, fui de férias, pensando em que outras surpresas iria tropeçar.

        Seis meses tinham passado desde então. 
Foram meses de muita aprendizagem. Muita da qual aconteceu sem dar por isso mas, assim é a vida. Vive-se no presente, segue para o futuro e nunca volta ao passado e valem-nos as recordações..
Trouxe na bagagem (aquela da alma) mais o que com que cheguei. Talvez por isso me sinta mais leve...

23.09.2011 (Split, Croácia)